Recursos Revista Voz de S. António
Nota Histórica
A Voz de Santo António foi uma revista mensal, órgão da Pia União de Santo António, próxima da Ordem dos Frades Menores, e estava intimamente ligada à Ordem Terceira Franciscana. Publicou-se entre Janeiro de 1895 e Abril de 1910. Dirigida e pensada a partir do Convento Franciscano de Montariol (Braga), a revista Voz de Santo António, seria um dos referenciais do pensamento social democrata-cristão do catolicismo português na primeira década do século XX.
Em 2009, a Biblioteca do Seminário da Luz cedeu ao CEHR uma colecção completa deste importante periódico para que fosse digitalizada e divulgada, o que aqui se faz.
O periódico surge no contexto de renovação católica desenvolvida durante o pontificado de Leão XIII, também ele um terceiro franciscano, e o impulsionador da reunião das diferentes famílias franciscanas (União Leonina de 1897).
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Capa da edição de Janeiro de 1899
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Nesse espírito de revitalização do catolicismo, Portugal assiste, no ano em que se funda a revista, ao Congresso Católico Internacional de Santo António durante as comemorações do 7º Centenário do nascimento do santo português. Este acontecimento teria o apoio e a colaboração do núncio apostólico de Lisboa, Monsenhor Domenico Jacobini, e do próprio Papa, tornando-se um dos momentos fundamentais do movimento social católico.
A Voz de Santo António é conhecida por ter sido o centro de uma acesa polémica desencadeada no seio do catolicismo português, nos últimos dois anos da Monarquia Constitucional, naquilo que ficou conhecido como a «Questão da Voz de Santo António», que opôs este periódico à maioria da imprensa católica, porque aquele apresentava linhas de reflexão democrata-cristã (de inspiração leonina) e esta representava os princípios defendidos pelo Partido Nacionalista.
Este caso teve o seu início em Fevereiro de 1908, quando um artigo da revista afirmava categoricamente que o católico não tem a obrigação de consciência de votar num candidato católico. Tal afirmação contrariava as premissas acordadas no Congresso do Partido Nacionalista de 1907, onde se tentava assimilar os votos dos católicos ao partido, sob pena de incorrerem numa falta contra a religião católica. Para os franciscanos da Voz de Santo António, este posicionamento dos nacionalistas não era aceitável. O âmago do problema centrava-se no debate entre o "dever" e a "obrigação" de consciência do católico no acto eleitoral. A partir de 1908, em plena crise da monarquia portuguesa, os artigos vão reafirmar a diferenciação entre o "social" e o "político" e definir o lugar do católico, baseando-se no pensamento de Leão XIII (encíclicas Au millieu des sollicitudes e Graves de Communi Re) e de Pio X (encíclica Pascendi).
Estas posições da Voz de Santo António vão incompatibilizá-la com a maioria da imprensa católica, próxima do nacionalismo, e vão desencadear uma forte propaganda contra as posições divulgadas na revista. Primeiro com a Revista Católica, de Viseu, e logo depois com A Restauração, de Guimarães. Na Primavera de 1909, o Novo Mensageiro do Coração de Jesus (órgão do Apostolado da Oração e próximo da Companhia de Jesus) viria a escrever contra as ideias do periódico franciscano. A posição do Novo Mensageiro foi sendo entendida, desde então, como o resultado da conflituosidade e da concorrência entre franciscanos e jesuítas e das suas representações seculares (Ordem Terceira e Apostolado da Oração).
A questão assumiu contornos de assunto nacional aquando da decisão da Santa Sé em suspender a revista Voz de Santo António, em Maio de 1910. A publicitação da carta enviada pelo cardeal Secretário de Estado, Rafael Merry del Val, ao arcebispo de Braga, D. Manuel Baptista da Cunha, foi mal aceite e mal interpretada pela opinião pública portuguesa, alimentada pelos jornais anticlericais. Rapidamente, o núncio (Giulio Tonti) e a Companhia de Jesus foram acusados de estarem por detrás da decisão pontifícia.
Após a ordem vinda de Roma, os frades de Montariol suspenderam a sua publicação, vindo a contar com o apoio de Manuel Abúndio da Silva e do seu jornal O Correio do Norte, que se assumiram como defensores da integridade teológica da redacção da Voz de Santo António.
A «Questão da Voz de Santo António» simboliza o confronto existente no catolicismo português a respeito das concepções de participação política do católico e daquilo que constituía o fundamento da acção do católico na vida pública - a destrinça entre social e político, para a resolução da questão religiosa, mas também dos problemas que a sociedade portuguesa enfrentava no início do século XX.
As referências acima servem de ligação para os 184 números mensais que a revista publicou.
Hugo Dores
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